sexta-feira, 25 de março de 2011

Capítulo 23 - Em que me apaixono

Finalmente, passei a dar prioridade à minha vida, e fiz uma parceria com uma médica santista recém-formada, com seus trinta anos, 17 a menos que eu, e que vinha de uma família rica. Isso foi o fator principal, era rica. Eu precisava de dinheiro, ela de experiência. Enfim, montamos um grande consultório em Santos, e minha renda aumentou. A princípio, nem mesmo precisávamos de secretárias, pois poucas pessoas iam lá, mas com o término de um mês, já tínhamos mais pacientes que eu conseguira ter em todos os anos anteriores.
            Contratamos uma funcionária, a Irene, que trabalhava em minha casa quando eu ainda morava na Vila Fabril. Ela não entendia muito bem o serviço, mas se empenhou bastante, e conseguiu ser competente o suficiente. E veja que para essas coisas de eficiência sou realmente chato. Ou a pessoa é eficiente, ou não serve para mim. Toda essa capacidade de superação de Irene me surpreendia. Cada dia que passava, ela se portava melhor ainda. Algumas vezes parecia mais médica que Isabela (minha parceira), com sua roupa branca comum, seu cabelo ruim, mas sempre bem arrumadinho, enfim, aquela postura elegante que não era comum em empregados mal alfabetizados.
            Dia após dia, minha admiração por Irene crescia geometricamente. Isabela viu essa admiração surgir da pena, evoluir à compaixão, e perder as três primeiras letras. Enfim, me apaixonei por minha secretária. Ela não era linda, nem tinha os olhos azuis, que tanto amava, mas tinha algo diferente, algo que você dificilmente encontra nas pessoas, algo que dificilmente você encontrará em si mesmo... ela tinha boa vontade.
            Seus cabelos ruins já não eram assim tão feios; seu nariz achatado parecia-me até um pouco arrebitado; sua boca grosseira não estava tão feia quanto nos dias anteriores; e sua força de vontade estava mais forte a cada dia, tão forte que chegava a me soterrar.
            Um dia, 12 de junho, criei coragem e, antes de ir ao trabalho, comprei uma rosa, que estava longe de ser a flor mais bonita da Floricultura Cubatense, mas que era a mais bonita que eu me dispunha a comprar. Comprei ainda um pequeno cartãozinho em branco, onde escrevi: “Para Irene, mulher que esteve ao meu lado todos esses anos!”. Sabia que isso não era uma verdade completa, mas mais vale uma meia verdade que agrada, a uma verdade completa que não o faz. Quando cheguei no consultório, não havia pacientes, ou não os notei, nem mesmo Isabela havia chegado, eu acho. Aproveitei a situação, me aproximei de Irene, segurei as suas mãos grossas e a coloquei em pé. Olhei bem em seus olhos, reprimi o impulso de secar a gota de suor que escorria na minha testa, e entreguei-lhe a flor. Não precisei dizer uma só palavra para que seus olhos se enchessem de lágrimas. Ela me olhou e respondeu à torrente de dúvidas que passaram pela minha cabeça naquela hora com um simples beijo... na flor.

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