sexta-feira, 4 de março de 2011

Capítulo 2 - Da Família

A família de Rafael era uma típica família paulista. Os membros prezavam a moral e os bons costumes, mesmo que muitas vezes não os seguissem. Assim que a mãe morreu, tive que dar a notícia para o pai. Seu nome é Frederich Edgard, porém aqui em Cubatão, ou melhor, em nosso bairro, era conhecido simplesmente por Senhor Edgar. Quando me aproximei dele para dar a notícia da morte da esposa, comecei a tremer muito, creio que graças à inexperiência. Fiquei durante algum tempo olhando-o, sem saber direito como dar a notícia. Aquele diálogo foi um dos mais difíceis de minha vida, embora não tão interessante para vocês. Lembro-me dele até hoje:

            -Senhor Edgar, seu filho nasceu.
            -Mas que maravilha! Como ele está?
            -Bem, bem... é um rapagão. Dará-lhe muito orgulho! Porém...
            -E Josefa, como está?
            -Era sobre isso que eu queria lhe falar... o senhor tem que entender que em um parto, a mulher perde muito sangue, fica muito exausta, é realmente algo difícil.
            -Eu entendo!
            -E, às vezes, muitas vezes, coisas ruins acontecem durante um parto...
            -Entendo!
            -Então, esse parto não foi diferente de nenhum outro, mesmo que queiramos, não podemos mudar o destino...
            -Como está Josefa?
            -Ela teve uma grande hemorragia, que não consegui estancar. Eu fiz tudo que pude senhor, realmente fiz, mas...
            -Entendo, era a vontade de Deus! – Disse Edgar, um ateu, ironicamente, fazendo força para não chorar na frente de estranhos. Não poderia demonstrar fraqueza assim. Isso não era digno de um homem.

            Senti-me muito mal aquele dia por perder minha primeira paciente gestante. Sei que se tivesse a experiência e os recursos que tenho hoje, não a teria perdido. Porém, na situação, não tinha nada a se fazer.
            Voltemos ao tema principal do capítulo: A família de Rafael. Era uma família muito engraçada de se observar. Sr. Edgar era um homem conservador, que seguia as normas britânicas quase ao pé da letra. Não tinha religião, e odiava todo o tipo de crendice católica. Esbravejava contra a mania dos padres de dizer que tudo ruim que acontecia não era culpa da pessoa, mas sim do demônio, e tudo de bom que acontecesse eram “bênçãos divinas”.
            A mãe de Rafael, Dona Josefa, era uma “católica de muita virtude” como diziam suas amigas da igreja. Saia todas as manhãs para ir até a Nossa Senhora da Lapa, no centro da cidade, assistir a missa, e tomar a bênção para aguentar “as tentações do demônio”. Isso era motivo de briga na família. Todos os dias em que o padre Baltazar vinha almoçar em sua casa, ainda com a batina, Edgar gritava da janela ao lado, vendo-o se aproximar na rua “Lá vem a galinha preta devorar meu frango!” E então, começavam as brigas. Dona Josefa sempre tinha seus argumentos baseados nas Sagradas Escrituras, e Sr. Edgar tinha os seus baseados na “Sagrada Verdade”, como ele dizia.
            Sr. Edgar não tinha irmãos verdadeiros no Brasil, somente uma irmã bastarda, que era sua verdadeira dor de cabeça. Como ele costumava dizer, “a mana é um grande peso morto no mundo, e bota grande nisso”. Realmente, era uma velha imprestável, que não fazia senão choramingar suas desgraças. Porém, não é importante para a nossa história, ao menos, não agora.
            Agora, todas essas brigas familiares estavam perdidas, já que Sra. D. Josefa morreu no parto.

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